H. Contribuição extraordinária de solidariedade (artigo 78.º)
70. Os requerentes nos Processos n.ºs 2/2013, 5/2013, 8/2013 e 11/2013 consideram que as normas nos números 1 e 2 do artigo 78.º, e a título consequente, as restantes normas do mesmo artigo, enfermam de inconstitucionalidade com base, em síntese, nos seguintes fundamentos:
- A contribuição extraordinária de solidariedade criada
pelas mencionadas normas pode ser definida como um imposto diverso do IRS, pelo
que ao refletir uma fragmentação da tributação do rendimento das pessoas
singulares, com agravamentos fiscais ditados para certas categorias de
cidadãos, viola o princípio da unidade do imposto sobre o rendimento pessoal,
previsto no n.º 1 artigo 104.º da Constituição;
- A mesma contribuição, na medida em que tributa, em
acumulação com os agravamentos parafiscais previstos no artigo 77.º e com os
agravamentos orçamentais em sede de IRS, uma categoria específica de pessoas em
razão de critérios ligados à sua condição ou estatuto de inatividade laboral e
não do critério constitucional da capacidade contributiva, discrimina
negativamente, de forma desproporcionada e sem justificação constitucional, os
pensionistas, em relação aos trabalhadores no ativo, do que resulta a violação
dos princípios da igualdade e da proporcionalidade, garantidos pela disposição
do n.º 1 do artigo 104.° conjugada com as normas dos artigos 13.° e 18.°, n.º
2, da Constituição.
- Ao interpretar-se a CES como sacrifício adicional,
redução de rendimento análoga à que é mantida para os funcionários públicos,
colocam-se em causa os princípios da proteção da confiança e da igualdade
perante os encargos públicos, na medida em que configura uma diferenciação
discriminatória dos pensionistas na participação nos encargos com a diminuição
do défice público.
- As normas violam ainda o núcleo essencial de direitos
patrimoniais de propriedade, garantidos pelo n.º 1 do artigo 62.° da CRP e de
acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 18.° da Constituição.
71. A Lei n.º 66-B/2012 institui, no artigo 78.º, uma
medida com a mesma designação daquela que fora já prevista nas leis que
aprovaram os orçamentos do Estado para 2011 e 2012 (artigos 162º, n.º 1, da Lei
n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, e 20.º, n.º 1, da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de
dezembro), mas que se caracteriza, genericamente, não só pelo acréscimo da sua
base de incidência, como também pelo alargamento do universo das pensões
atingidas.
Passam a estar abrangidas pela contribuição
extraordinária de solidariedade (CES) pensões de montante significativamente
inferior (a partir de €1350) e a medida passa a afetar, para além das pensões
pagas por entidades públicas, todas as prestações pecuniárias vitalícias
devidas a qualquer título a aposentados, reformados, pré-aposentados ou equiparados
que não estejam expressamente excluídas por disposição legal. São irrelevantes,
para este efeito, e por força da lei, a designação das prestações (pensões,
subvenções, subsídios, rendas, seguros, indemnizações por cessação de
atividade, prestações atribuídas no âmbito de fundos coletivos de reforma ou
outras), a forma que revistam (por exemplo, pensões de reforma de regimes
profissionais complementares), bem como a natureza pública, privada,
cooperativa ou outra, e o grau de independência ou autonomia da entidade
processadora (incluindo-se as suportadas por institutos públicos, entidades
reguladoras, de supervisão ou controlo, empresas públicas, de âmbito nacional,
regional ou municipal, caixas de previdência de ordens profissionais e por
pessoas coletivas de direito privado ou cooperativo).
Deste modo, as pensões pagas a um único titular passam
agora a estar sujeitas a uma contribuição extraordinária de solidariedade, cuja
taxa varia de forma progressiva, nos seguintes termos:
- 3,5% sobre a totalidade das pensões de valor mensal
entre €1350 e €1800;
- 3,5% sobre o valor de €1800 e 16% sobre o remanescente
das pensões de valor mensal entre €1800,01 e €3750, perfazendo uma taxa global
que varia entre 3,5% e 10%;
- 10% sobre a totalidade das pensões de valor mensal
superior a €3750.
Acresce que, neste último escalão, são aplicadas, em
acumulação com a taxa de 10%, as seguintes percentagens:
- 15% sobre o montante que exceda 12 vezes o valor do IAS
€5030,64) mas que não ultrapasse 18 vezes aquele valor (€7545,96);
- 40% sobre o montante que ultrapasse 18 vezes o valor do
IAS (€7545,96).
A CES passa assim a abranger, não apenas as pensões
pagas por entidades públicas (Caixa Geral de Aposentações, Centro Nacional de
Pensões ou quaisquer outras entidades públicas, diretamente ou por intermédio
de fundos de pensões), mas ainda, por força do n.º 3 do artigo
78.º, «todas as prestações pecuniárias vitalícias devidas a qualquer
título a aposentados, reformados, pré-aposentados ou equiparados que não estejam
expressamente excluídas por disposição legal, incluindo as atribuídas no âmbito
do sistema complementar, designadamente no regime público de capitalização e
nos regimes complementares de iniciativa coletiva». Estão, assim,
inequivocamente abrangidas pela medida as pensões a cargo dos comummente
designados primeiro e segundo pilares do sistema de segurança social, ou seja,
as dos regimes previdenciais geridos pelo Estado e as que correspondem aos
rendimentos proporcionados por planos de pensões criados por regimes
previdenciais de natureza complementar de iniciativa empresarial ou coletiva.
O n.º 3 do artigo 78.º, numa interpretação a
contrario, afasta a possibilidade de sujeição à CES de planos de pensão de
iniciativa individual (que constituem o terceiro pilar do sistema), na
medida em que, no corpo da disposição, manda incluir neste regime apenas as
pensões atribuídas “nos regimes complementares de iniciativa coletiva”. Sendo
assim, parece que terão que corresponder a esta característica todos os regimes
complementares a que é feita menção nas várias alíneas desse preceito,
incluindo as prestações resultantes de descontos ou contribuições efetuados em
“atividade por conta própria” (alínea c) do n.º 3 do artigo 78.º).
Um elemento que se mantém idêntico ao das medidas
adotadas nos Orçamentos de Estado anteriores é a consignação do valor
resultante da CES, que, nos termos do n.º 8 do artigo 78.º, «reverte a favor do
Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., no caso das pensões
atribuídas pelo sistema de segurança social e pela Caixa de Previdência dos
Advogados e Solicitadores, e a favor da CGA, I.P., nas restantes situações»,
mantendo-se, assim, adstrito a uma finalidade específica.
72. No Relatório sobre o Orçamento de Estado para 2013, o
Ministério das Finanças inclui a CES na lista de “medidas do lado da redução de
despesa”, explicando que, com ela, se “visa alcançar um efeito equivalente à
medida de redução salarial aplicada aos trabalhadores do setor público em 2011
e 2012 e que será mantida em 2013, com a diferença de que os limites de
rendimento a partir da qual a mesma é aplicada aos reformados e pensionistas
são inferiores em 10% aos limites fixados para os ativos. (...) Esta diferença
de limites explica-se pelo facto dos rendimentos de pensões já não estarem
sujeitos a contribuições para sistemas de previdência (RGSS ou CGA),
contribuições essas que para os rendimentos do trabalho ascendem a 11% sobre o
rendimento bruto auferido. Procurou-se, deste modo, criar uma situação de
tendencial proximidade de efeito líquido na aplicação das medidas, entre ativos
e pensionistas, tendo por referência níveis de rendimento equivalentes (após
contribuições obrigatórias para sistemas de previdência). Para pensões de
elevado valor (superiores a €5.030), cumulativamente à redução de 10%, é
exigida ainda uma contribuição extraordinária de solidariedade aos
pensionistas, em linha com medida semelhante já aplicada em 2012”.
Todavia, esta qualificação poderá ser questionada no
ponto em que, ao contrário dos anos anteriores, recaem no âmbito de incidência
da CES quaisquer rendimentos de pensões ou equivalentes “independentemente da
natureza pública, privada, cooperativa ou outra, e do grau de independência ou
autonomia da entidade processadora” (artigo 78.º, n.º 3, alínea b)), aí se
incluindo as pensões ou similares pagas por pessoas coletivas de direito
privado ou cooperativo, como são os casos, por exemplo, das instituições de
crédito, através dos respetivos fundos de pensões, das companhias de seguros e
entidades gestoras de fundos de pensões e, até de direito público, como a Caixa
de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS), relativamente às quais não
existe qualquer relação com a despesa do Estado.
A dúvida quanto à qualificação como medida do lado da
despesa, foi também levantada, do ponto de vista contabilístico, no Parecer
Técnico n.º 6/2012 da Unidade Técnica de Apoio Orçamental da Assembleia da
República, no qual se afirma, a propósito da CES que “o Ministério das Finanças
considerou esta medida no lado da despesa mas, estando em causa a aplicação de
uma contribuição sobre o valor das pensões (prevista no artigo 76º da proposta
de lei do OE/2013), esta situação estará na fronteira entre uma redução de
despesa ou um aumento de receita”.
No sentido da qualificação como “receita do sistema
previdencial” aponta ainda o modus operandi da efetivação da
medida, conforme o previsto no n.º 8 do artigo 78.º, que determina, no caso de
pensões não pagas por entidades públicas, que as entidades processadoras
procedam à retenção na fonte do valor correspondente à contribuição e a
entreguem, dentro de determinado prazo, à Caixa Geral de Aposentações, em
correspondência com os procedimentos similares de arrecadação de receitas em
sede fiscal.
73. Deste modo, no que se refere às pensões processadas e
pagas pelo sistema público de segurança social, a CES assume o efeito prático
de uma medida de redução de despesa. Até ao limite de €5030,64 visa obter,
como se esclareceu no Relatório do OE para 2013, um efeito equivalente à
redução salarial que tem vindo a ser aplicada aos trabalhadores do setor
público desde 2011, o que surge evidenciado também pela correspectividade do
valor percentual da dedução relativamente à redução remuneratória também
prevista no artigo 27º, n.º 1, da Lei do OE. E o efeito continua a ser, ainda
neste mesmo âmbito, de redução da despesa pública quanto às pensões sobre que
incide a percentagem adicional de 15%, quando o montante que exceda 12
vezes o valor do IAS (€5030,64), e de 40%, quando o montante que ultrapasse 18
vezes o valor do IAS (€7545,96). Ainda que, neste último caso, se sujeite os
respetivos titulares a um contributo mais gravoso, por se tratar de prestações
de valor elevado que se entendeu poderem suportar um sacrifício extraordinário
em nome do princípio da solidariedade, face às dificuldades crescentes de
sustentabilidade da segurança social e do sistema público de pensões, sujeito
no ano de 2013 a um acréscimo de esforço financeiro que, em último termo, teria
se ser coberto por transferências do Orçamento de Estado.
Neste âmbito de incidência, a norma do n.º 2 do artigo
78º da Lei do OE, tendo o referido efeito de diminuição conjuntural das
pensões, por força da aplicação de taxas fortemente progressivas, não deixa de
constituir um instrumento financeiro de redução de despesa pública, visto que
estamos ainda perante pensões do chamado primeiro pilar de proteção social, e
que são suportadas pelo orçamento da segurança social ou da Caixa Geral de
Aposentações, apenas se diferenciando relativamente à norma do n.º 1, na
apreciação da questão de constitucionalidade, por se tratar, nesse outro caso,
da imposição de um sacrifício muito mais intenso.
Já o mesmo não pode afirmar-se quanto à sujeição das
pensões dos regimes substitutivos e dos regimes complementares, de iniciativa
pública ou de iniciativa coletiva privada, à contribuição extraordinária de
solidariedade, nos termos genericamente previstos para as pensões atribuídas
pelo sistema de segurança social ou pela CGA. Neste caso, as entidades
processadoras devem efetuar a dedução da contribuição e entregá-la à CGA, até
ao dia 15 do mês seguinte àquele em sejam devidas as prestações (artigo 78º,
n.º 8), pelo que a CES produz aqui o efeito exclusivo de um aumento de receita,
por via da transferência de verbas para o sistema público de segurança social.
74. Embora financeiramente suscetível de ser perspetivada
de modo ambivalente, privilegiando o efeito prático do lado da despesa ou da
receita consoante o seu âmbito subjetivo de incidência, a CES é juridicamente
configurada no preceito que institui a medida, de modo unitário, como uma contribuição
para a segurança social, ainda que apresente a particularidade de ser exigida
aos atuais beneficiários dos regimes previdenciais. Aliás, em conformidade com
esta natureza de tributo para a segurança social e não de redução formal do
montante da prestação, nos termos do artigo 53.º do CIRS, o valor da pensão,
apurado sem ter em conta a incidência da CES, continua a fornecer a indicação
do rendimento bruto tributável pela categoria H. O montante que resulta da
aplicação da CES entra, porém, no passo seguinte, como dedução específica para
apuramento da matéria coletável, nos termos da alínea b) do n.º 4 do referido
preceito que manda deduzir “as contribuições obrigatórias para regimes de
proteção social …”.
Sem dúvida que a incidência, em geral, de uma obrigação
contributiva sobre os próprios beneficiários ativos representa um desvio ao
funcionamento do sistema, na medida em que introduz uma nova modalidade de
financiamento da segurança social que abarca os próprios beneficiários das
prestações sociais, pondo em causa, de algum modo, o princípio da
contributividade, que tem pressuposta a ideia de uma relação sinalagmática
direta entre a obrigação legal de contribuir e o direito às prestações (artigo
54º da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro). O que se torna ainda mais evidente
quando a obrigação incide sobre os beneficiários de modalidades privadas de
proteção social, que são exteriores ao sistema público de segurança social.
No entanto, a circunstância de o sistema
previdencial assentar fundamentalmente no autofinanciamento, através das
quotizações dos trabalhadores e das contribuições das entidades empregadoras,
não obsta a que possa recorrer a outras fontes de financiamento, incluindo
outras receitas fiscais legalmente previstas, como decorre do artigo 92.º da
Lei n.º 4/2007.
A receita obtida através de um tributo parafiscal que incide
sobre os pensionistas dos regimes complementares e substitutivos não deixa de
corresponder a uma forma de financiamento da segurança social, em termos que
equivalem às quotizações dos trabalhadores no âmbito da obrigação contributiva.
Num contexto de emergência económica e financeira, a contribuição visa, por
outro lado, contrariar a tendência deficitária da segurança social e permitir
satisfazer os compromissos assumidos com as prestações do regime geral de
segurança social e de proteção social da função pública.
E importa reter que os regimes complementares se
encontram especialmente regulados nos artigos 81º e seguintes da Lei n.º
4/2007, e, ainda que de iniciativa privada, integram também o sistema de
segurança social, que assenta num princípio de complementaridade,
traduzido na articulação de várias formas de proteção social públicas, sociais,
cooperativas, mutualistas e privadas com o objetivo de melhorar a cobertura das
situações abrangidas e promover a partilha de responsabilidades - artigo 15º
(sobre o fundamento e legitimidade dos regimes complementares, Ilídio das
Neves, Os regimes complementares de segurança social, in Revista
de Direito e Estudos Sociais, Ano XXXVI, n.º 4, Outubro-Dezembro de 1994, págs.
286 e segs.).
A contribuição, mesmo quando exigida aos titulares de
complementos de reforma, está, por isso, estreitamente associada aos fins da
segurança social, além de que esses pensionistas beneficiam da solvabilidade do
sistema e tiram vantagem do seu eficaz financiamento, na medida em que o
reforço de proteção social que poderão obter por via da atribuição de
prestações complementares só se torna efetivo se o Estado continuar a
satisfazer pontualmente as prestações concedidas pelo sistema previdencial, de
que eles são também destinatários.
As considerações que antecedem justificam, por maioria de
razão, a sujeição à contribuição extraordinária de solidariedade dos
pensionistas dos denominados regimes especiais, dada a natureza substitutiva
das prestações que aí estão em causa (artigo 53º da Lei n.º 4/2007).
75. Tratando-se de uma contribuição para a
segurança social, como tudo indica, não obstante a sua atipicidade, ela não
está sujeita aos princípios tributários gerais, e designadamente aos princípios
da unidade e da universalidade do imposto, não sendo para o caso mobilizáveis
as regras do artigo 104.º, n.º 1, da Constituição relativas ao imposto sobre o
rendimento pessoal.
Isso porque a contribuição para a segurança social
prevista no artigo 78º da Lei do Orçamento do Estado apresenta diversos traços
diferenciadores da conceção tributária estrita dos impostos, quer quanto aos
objetivos, quer quanto à estrutura jurídica. É uma receita consignada,
na medida em que se destina a satisfazer, de modo imediato, as necessidades
específicas do subsistema contributivo da segurança social, distinguindo-se por
isso dos impostos, que têm como finalidade imediata e genérica a obtenção de
receitas para o Estado, em vista a uma afetação geral e indiscriminada à
satisfação de encargos públicos. E não possui um caráter de completa unilateralidade uma
vez que os regimes complementares têm o seu suporte jurídico-institucional no
sistema de segurança social globalmente considerado, e não deixam de manter uma
relação de proximidade com o regime contributivo (que é, por natureza,
obrigatório), retirando um benefício indireto do seu eficaz funcionamento
(quanto à caracterização jurídica da contribuição para a segurança
social, Ilídio das Neves, Direito da Segurança Social,
Coimbra, 1996, pág. 360).
Trata-se, assim, de um encargo enquadrável no tertium
genus das “demais contribuições financeiras a favor dos serviços
públicos”, a que passou a fazer-se referência, a par dos impostos e das taxas,
na alínea i) do n.º 1 do art.º 165.º da Constituição.
A situação não é, por isso, também, inteiramente
equivalente à analisada no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 186/93
(cuja orientação foi depois também seguida pelo acórdão n.º 1203/96), em que se
considerou (ainda que apenas para verificar se a determinação da incidência e
da taxa da contribuição está sujeita a reserva de lei) que
as contribuições para a segurança social que têm como sujeito passivo a
entidade patronal, «quer sejam havidas como verdadeiros impostos, quer sejam
consideradas como uma figura contributiva de outra natureza, sempre deverão
estar sujeitas aos mesmos requisitos a que aqueles se acham constitucionalmente
obrigados». Esta sujeição às regras constitucionais, na lógica argumentativa do
acórdão, decorre do facto de «as prestações pecuniárias em que estas
contribuições se traduzem, talqualmente os impostos, revestirem caráter
definitivo e unilateral», caracterização que não é inteiramente
transponível para o tributo em causa, pelas considerações já
precedentemente formuladas, nem sequer quando a contribuição incide sobre
pensões dos regimes complementares e substitutivos.
E, deste modo, independentemente das variantes que a
norma do artigo 78º, ao prever a contribuição extraordinária de solidariedade,
possa colocar - quer quando esta equivale a uma medida de redução de
despesa, quer quando constitui uma estrita medida de obtenção de receita -, a
questão de constitucionalidade que vem suscitada acaba por reconduzir-se à
alegada violação do direito de propriedade e dos princípios da igualdade, da
proporcionalidade e da proteção da confiança.
76. Um aspeto que se torna evidente, por tudo o que já
anteriormente se expôs, é que os pensionistas afetados pela medida não se
encontram na mesma situação de qualquer outro cidadão, justamente porque são
beneficiários de pensões de reforma ou de aposentação e de complementos de
reforma, e é a sua distintiva situação estatutária que determina a incidência
da CES, como medida conjuntural, com a finalidade específica de assegurar a sua
participação no financiamento do sistema de segurança social, num contexto
extraordinário de exigências de financiamento que, de outra forma,
sobrecarregariam o Orçamento do Estado ou se transfeririam para as gerações
futuras.
A Constituição não estabelece a proporção em que o
financiamento da segurança social depende de qualquer uma das suas fontes,
sendo essa matéria que está em grande medida à disposição do Estado no âmbito
da sua liberdade de conformação política e legislativa (Gomes Canotilho/Vital
Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, pág.
817).
No caso concreto, a imposição de um tributo com a
natureza de uma contribuição para a segurança social, traduz-se, em grande
parte, na imediata redução de despesa por via da dedução de uma percentagem dos
montantes devidos a título de pensão de reforma ou de aposentação pelas
próprias entidades a que está consignada e, noutra parte, incidindo sobre
titulares de complementos de reforma e de pensões com um regime especial,
corresponde a uma forma de financiamento que é assegurada pelos beneficiários
ativos de prestações. Podendo descortinar-se na sua própria condição de
pensionistas o fundamento material bastante para, numa situação de exceção,
serem chamados a contribuir para o financiamento do sistema, o que afasta, à
partida, o caráter arbitrário da medida.
A sujeição dos pensionistas a uma contribuição para o financiamento do sistema de segurança social, de modo a diminuir a necessidade de afetação de verbas públicas, no quadro de distintas medidas articuladas de consolidação orçamental, que incluem também aumentos fiscais e outros cortes de despesas públicas, apoia-se numa racionalidade coerente com uma estratégia de atuação cuja definição cabe ainda dentro da margem de livre conformação política do legislador.
E os quantitativos das novas contribuições fixados pelo
artigo 78º, da Lei do Orçamento do Estado, não se revelam excessivamente
diferenciadores, face às razões que se admitiram como justificativas da
imposição desta medida penalizadora dos pensionistas, sendo as percentagens
relativas ao montante das pensões constantes do n.º 1, similares às das
reduções das remunerações de quem aufere por verbas públicas, constantes do
artigo 27.º do mesmo diploma, e que foi considerado situarem-se ainda dentro
dos limites do sacrifício exigível, de que se excluiram todos aqueles que
auferem pensões inferiores a €1350.
E se as percentagens das contribuições que incidem sobre as pensões abrangidas pelo n.º 2, do mesmo artigo 78º, atingem valores bem mais elevados, elas também incidem sobre pensões cujo montante não deixa de justificar um maior grau de progressividade. A prossecução do fim de interesse público que preside a esta medida e a sua emergência, aliadas a um imperativo de solidariedade, tem uma valia suficiente para fundamentar a diferenciação estabelecida entre o n.º 1 e o n.º 2 do artigo 78º.
77. Quanto à análise dos princípios da proporcionalidade
e da proteção da confiança não pode deixar de se ter presente quer a recente
evolução verificada no regime previdencial de segurança social quer, sobretudo,
a natureza conjuntural da CES.
No que se refere ao regime previdencial de segurança
social, o critério de determinação dos montantes das pensões, que provinha
do Decreto-Lei n.º 329/93, de 25 de setembro, e em certa medida era ainda
tributário do modelo concebido nos anos 60 (limitando-se a considerar como
remuneração relevante para fixação do montante global da pensão a
correspondente aos melhores 10 anos dos últimos 15 da carreira contributiva), foi
profundamente alterado pela Lei de Bases da Segurança Social aprovada pela Lei
n.º 17/2000, de 8 de agosto, que estipulou o princípio segundo o qual o cálculo
de pensões de velhice devia ter por base os rendimentos de trabalho de toda a
carreira contributiva (artigo 57.º, n.º 3).
O Governo e os parceiros sociais comprometeram-se
entretanto a adotar medidas destinadas a assegurar o equilíbrio financeiro do
sistema de segurança social, incluindo no que se refere à reformulação do
cálculo das pensões, e nessa sequência foi publicado o Decreto-Lei n.º 35/2002,
de 19 de fevereiro, que veio estabelecer como regra a consideração, para
efeitos do cálculo da pensão, das remunerações anuais revalorizadas de
toda a carreira contributiva, medida que era justificada não só pela
necessidade de assegurar sustentabilidade financeira do sistema de segurança
social, mas também por razões de justiça social (Acordo para a
Modernização da Proteção Social, de 20 de novembro de 2001).
E posteriormente foi celebrado um novo acordo de
concertação social que teve em vista complementar a reforma de 2001/2002, e que
pretendeu realizar dois objetivos essenciais: (i) acelerar o prazo
de transição para a nova fórmula de cálculo das pensões; (ii) introduzir
um limite superior para o cálculo das pensões baseado nos últimos anos da
carreira contributiva (Acordo sobre a Reforma da Segurança Social, de 10
de outubro de 2006).
São esses objetivos que surgem plasmados no novo regime
do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio, publicado em desenvolvimento da
atual Lei de Bases da Segurança Social, que visou dar concretização
prática ao princípio da aceleração da transição para a nova fórmula de
cálculo de pensões, tornando-se aplicável aos contribuintes
inscritos até 31 de dezembro de 2001 (e, portanto, àqueles cuja carreira
contributiva decorreu em parte ainda na vigência do Decreto-Lei n.º 329/93)
(artigos 33º e 34º) e estabeleceu uma limitação do montante da
pensão destinada a impedir que, por razões de justiça social e
equidade contributiva, venha a ser atribuída uma pensão que se mostre ser
excessiva (artigo 101º).
Por outro lado, foi introduzido um fator de
sustentabilidade no cálculo do montante da pensão, que permite uma regressão do
seu valor em função da alteração da esperança média de vida - artigo 35º
(sobre a evolução legislativa do sistema de segurança social, o acórdão n.º
188/2009, que se pronunciou pela não inconstitucionalidade da norma que fixou
um teto máximo para o valor das pensões).
78. Também no domínio do sistema de proteção social da função pública, foram introduzidas importantes alterações.
A Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, veio instituir
mecanismos de convergência do regime de proteção social da função pública com o
regime geral da segurança social no que respeita às condições de aposentação e
cálculo das pensões, e nesses termos, a Caixa Geral de Aposentações deixou, a
partir de 1 de janeiro de 2006, de proceder à inscrição de subscritores (artigo
1º), sendo que o pessoal que inicie funções a partir dessa data ao qual, nos
termos da legislação vigente, fosse aplicável o regime de proteção social da
função pública em matéria de aposentação (em razão da natureza da instituição a
que venha a estar vinculado, do tipo de relação jurídica de emprego de que
venha a ser titular ou de norma especial que lhe conferisse esse direito), é
obrigatoriamente inscrito no regime geral da segurança social (artigo 2º).
E o Decreto-Lei n.º 117/2006, de 20 de junho, veio também
estabelecer a transição do regime de proteção social dos funcionários e agentes
da Administração Pública, em contrato de trabalho, para o regime geral de
segurança social dos trabalhadores por conta de outrem, passando a cobrir as
eventualidades de proteção na doença, doenças profissionais, maternidade e desemprego
através dos regimes jurídicos do subsistema previdencial, com as
particularidades previstas nesse diploma.
79. Esta evolução de política legislativa aponta já para
uma gradual adaptação do quadro legal das pensões aos novos condicionalismos
sociais, de modo a garantir-se a maior equidade e justiça social na sua
concretização, e que corresponde a um dos princípios legalmente assumidos do
sistema previdencial (artigo 63º da Lei n.º 4/2007).
Por outro lado, as normas ora impugnadas surgem impulsionadas
por uma necessidade conjuntural e emergente de redução da afetação de verbas
públicas à manutenção do sistema de segurança social.
A CES foi, na realidade, concebida exclusivamente para
fazer face, juntamente com outras medidas, à situação de crise económico-financeira,
que terá transitoriamente também exigido, no quadro das opções de base feitas
pelo poder político, um urgente reforço do financiamento do sistema de
segurança social, à custa dos próprios beneficiários.
Perante a conjugação de uma diminuição das receitas do
sistema de segurança social, face ao forte aumento do desemprego, redução dos
salários e às novas tendências migratórias, com um aumento das despesas com o
apoio ao desemprego e às situações de pobreza, e à consequente necessidade do
Estado subsidiar o sistema de segurança social, agravando desse modo o défice
público, o legislador, a título excecional e numa situação de emergência, optou
por estender aos pensionistas o pagamento de contribuições do sistema de
segurança social do qual são direta ou indiretamente beneficiários, apenas
durante o presente ano orçamental.
É, pois, atendendo à natureza excecional e temporária
desta medida, tendo por finalidade a satisfação das metas do défice público
exigidas pelo Programa de Assistência Económica e Financeira, que a sua
conformidade com os princípios estruturantes do Estado de direito democrático
deve ser avaliada.
80. São conhecidos, e foram já aqui recordados, os
critérios a que o Tribunal Constitucional dá relevância para que haja lugar à
tutela jurídico-constitucional da «confiança».
E não pode deixar de reconhecer-se que as pessoas na situação de reforma ou aposentação, tendo chegado ao termo da sua vida ativa e obtido o direito ao pagamento de uma pensão calculada de acordo com as quotizações que deduziram para o sistema de segurança social, têm expectativas legítimas na continuidade do quadro legislativo e na manutenção da posição jurídica de que são titulares, não lhes sendo sequer exigível que tivessem feito planos de vida alternativos em relação a um possível desenvolvimento da atuação dos poderes públicos suscetível de se repercutir na sua esfera jurídica.
Todavia, em face do condicionalismo que rodeou a
implementação da contribuição extraordinária de solidariedade, não só as
expectativas de estabilidade na ordem jurídica surgem mais atenuadas, como são
sobretudo atendíveis relevantes razões de interesse público que justificam, em
ponderação, uma excecional e transitória descontinuidade do comportamento
estadual.
Como já resulta da ponderação efetuada noutro local, a
propósito deste princípio, o interesse público a salvaguardar, não só se
encontra aqui perfeitamente identificado, como reveste uma importância fulcral
e um caráter de premência que lhe confere uma manifesta prevalência, ainda que
não se ignore a intensidade do sacrifício causado às esferas particulares
atingidas pela nova contribuição.
No que se refere às pensões abrangidas pelo n.º 2 do
artigo 78º, cabe adicionalmente referir que essas prestações já haviam sido
objeto de uma contribuição extraordinária de solidariedade de 10 %,
incidindo sobre o montante que excede aquele valor, por força do artigo 162º
da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro (Lei do OE de 2011), e que veio a
ser agravada, em termos idênticos aos agora previstos, através do n.º 15 do
artigo 20º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro (Lei do OE de 2012).
Não há, pois, nenhuma evidência, em todo este contexto,
de uma infração ao princípio da proteção da confiança.
81. Nem parece que possa ter-se como violado o princípio
da proporcionalidade, em qualquer das suas vertentes de adequação, necessidade
ou justa medida.
Como observa Reis Novais, o princípio da idoneidade ou
da aptidão significa que as medidas legislativas devem ser
aptas a realizar o fim prosseguido, ou, mais rigorosamente, devem, de forma
sensível, contribuir para o alcançar.
No entanto, o controlo da idoneidade ou adequação da
medida, enquanto vertente do princípio da proporcionalidade, refere-se
exclusivamente à aptidão objetiva e formal de um meio para realizar um fim e
não a qualquer avaliação substancial da bondade intrínseca ou da oportunidade
da medida. Ou seja, uma medida é idónea quando é útil para a consecução do um
fim, quando permite a aproximação do resultado pretendido, quaisquer que sejam
a medida e o fim e independentemente dos méritos correspondentes. E, assim, a
medida só será suscetível de ser invalidada por inidoneidade ou inaptidão
quando os seus efeitos sejam ou venham a revelar-se indiferentes, inócuos ou
até negativos tomando como referência a aproximação do fim visado (Princípios
Constitucionais Estruturantes da República Portuguesa, Coimbra, 2004, págs.
167-168).
No caso vertente, é patente que a incidência de um
tributo parafiscal sobre o universo de pensionistas como meio de reduzir
excecional e temporariamente a despesa no pagamento de pensões e obter um
financiamento suplementar do sistema de segurança social é uma medida adequada
aos fins que o legislador se propôs realizar.
Quanto a saber se para atingir esse objetivo, o meio
efetivamente escolhido é o necessário ou exigível,
por não existirem outros meios, em princípio, tão idóneos ou eficazes, que
pudessem obter o mesmo resultado de forma menos onerosa para as pessoas
afetadas, não se vislumbra, num critério necessariamente de evidência, a
existência de alternativas que, mantendo uma coerência com o sistema no qual
estas medidas se situam, com igual intensidade de realização do fim de
interesse público, lesassem em menor grau os titulares das posições jurídicas
afetadas.
Nestes termos, a medida cumpre o princípio da
necessidade.
Por fim, a norma suscitada não se afigura ser
desproporcionada ou excessiva, tendo em consideração oseu caráter excecional e
transitório e o patente esforço em graduar a medida do sacrifício que é exigido
aos particulares em função do nível de rendimentos auferidos, mediante a
aplicação de taxas progressivas, e com a exclusão daqueles cuja pensão é de
valor inferior a €1350, relativamente aos quais a medida poderia implicar uma
maior onerosidade.
Acresce que, em termos práticos, ela corresponde, em
grande parte, a uma extensão da medida de redução salarial já aplicada aos
trabalhadores do setor público em 2011 e 2012, e que foi mantida em 2013, a
qual no acórdão n.º 396/2011 também se considerou não ser desproporcionada ou
excessiva.
Relativamente à previsão do n.º 2 do artigo 78º da Lei do
Orçamento do Estado, a questão de constitucionalidade justifica, no entanto,
outros desenvolvimentos, por estar aí em causa a aplicação de taxas fortemente
progressivas que se alega revestirem uma natureza confiscatória.
82. Defende o Requerente do pedido formulado no
processo n.º 2/2013 que a carga de esforço tributário que é potenciada pelo
disposto no artigo 78.º da Lei do Orçamento do Estado pode, igualmente, pôr em
causa direitos patrimoniais conexos com o direito de propriedade privada, que
se reconduz à norma do n.º 1 do artigo 62.º da Constituição e que beneficia,
com adaptações, do regime garantístico dos direitos, liberdades e garantias
contido no seu artigo 18°.
O mesmo argumento foi já mobilizado relativamente à
suspensão parcial do subsídio de férias dos reformados e pensionistas,
mantendo-se válidas as considerações que, a esse propósito, foram formuladas.
De facto, essa perspetiva poderia arrancar da ideia de
que o conceito de propriedade vertido no citado preceito constitucional não se
circunscreve aos direitos reais tipificados no Código Civil, mas engloba outros
direitos com relevância económica direta, tais como os salários ou as pensões
de reforma, constituindo um equivalente de «património» (sobre estes
aspetos, Maria Lúcia Amaral, Responsabilidade do Estado e dever de
indemnizar do legislador, Coimbra, 1998, págs. 547 e segs.; Sousa
Franco/Oliveira Martins, A Constituição Económica Portuguesa,
Coimbra, 1993, pág. 174).
A posição foi também sufragada pelo Tribunal
Constitucional no acórdão n.º 491/02, em que se entendeu que «o direito de
propriedade a que se refere o artigo 62.º da Constituição não abrange apenas
a proprietas rerum, os direitos reais menores, a propriedade
intelectual e a propriedade industrial, mas também outros direitos que
normalmente não são incluídos sob a designação de «propriedade», tais como,
designadamente, os direitos de crédito e os «direitos sociais» – incluindo,
portanto, partes sociais como as ações ou as quotas de sociedades» (no mesmo
sentido ainda os acórdãos n.ºs 273/04 e 374/03).
No entanto, mesmo que situemos o direito à pensão neste
plano de análise, a violação do direito à propriedade, por virtude da redução
do montante das prestações que forem devidas a esse título, apenas poderia
colocar-se se fosse possível afirmar um estrito princípio de correspectividade
no âmbito da relação jurídica de segurança social, de modo a que existisse
efetiva equivalência entre o montante das contribuições e o valor das
prestações.
Todavia o princípio que vigora é antes de uma equivalência
global que poderá sempre ser corrigida em função do princípio da
solidariedade, como um dos fatores estruturantes do sistema de segurança social
(João Loureiro, Adeus ao estado social? O insustentável peso do não-ter, BFD 83
(2007), págs. 168-169).
Estes aspetos foram analisados no já citado acórdão n.º
188/2009, onde se afirmou:
A referência legal a uma relação sinalagmática
direta entre a obrigação legal de contribuir e o direito às prestações
parece pressupor um princípio contratualista de correspectividade entre os
direitos e obrigações que integram a relação jurídica de segurança social. Mas
diversos outros indicadores apontam no sentido de que o legislador pretendeu
apenas referir-se à necessária interdependência entre o direito às prestações e
a obrigação de contribuir, o que não significa que exista uma direta correlação
entre a contribuição paga e o valor da pensão a atribuir (cfr. ILÍDIO DAS
NEVES, Direito da Segurança Social. Princípios Fundamentais numa
Análise Prospetiva, Coimbra, 1996, págs. 303 e segs.).
Em primeiro lugar, o âmbito material do sistema
previdencial não se circunscreve às pensões de invalidez e velhice, mas abrange
diversas outras eventualidades que determinam perda de rendimentos de trabalho,
como a doença, maternidade, paternidade e adoção, desemprego, acidentes de
trabalho e doenças profissionais, ou a morte, não estando excluído, sequer, que
a proteção social que assim se pretende garantir seja alargada, no futuro, em
função da necessidade de dar cobertura a novos riscos sociais (artigo 52º da
Lei n.º 4/2007).
E, pela natureza das coisas, não há, em relação a cada
situação e categoria de beneficiários, uma plena correspondência pecuniária
entre os valores comparticipados ao longo da carreira contributiva e os
benefícios obtidos em consequência da verificação das eventualidades que se
encontram cobertas pelo sistema previdencial.
Por outro lado, a obrigação de contribuir não
impende apenas sobre os beneficiários, mas também, no caso de exercício de
atividade profissional subordinada, sobre as respetivas entidades empregadoras
(obrigação que para estas se constitui com o início do exercício da atividade
profissional dos trabalhadores ao seu serviço - artigo 56º, n.ºs 1 e 2), sendo
o respetivo montante determinado por aplicação de taxa legalmente prevista às
remunerações que constituam a base de incidência contributiva (artigo 57º, n.º
1).
Além disso, a lei pode prever limites contributivos, quer
através da aplicação de limites superiores aos valores das remunerações que
servem de base de incidência, quer por via da redução da taxa contributiva,
isto é, do valor em percentagem que deve incidir sobre a base salarial para a
determinação do quantitativo exato da contribuição ou quotização (artigo 58º).
Acresce que a falta do pagamento de contribuições
relativas a períodos de exercício de atividade dos trabalhadores por conta de
outrem, que lhes não seja imputável, não prejudica o direito às prestações
(artigo 61º, n.º 4), e na determinação dos montantes das prestações podem ser
tidos em consideração, para além do valor das remunerações registadas, que
constitui a base de cálculo, outros elementos adicionais, como a duração da
carreira contributiva e a idade do beneficiário (artigo 62º, n.ºs 1 e 2).
Todos os referidos aspetos do regime legal conduzem a
concluir que o cálculo do montante da pensão não corresponde à aplicação de um
princípio de correspectividade que pudesse resultar da capitalização individual
das contribuições, mas radica antes num critério de repartição que assenta num
princípio de solidariedade, princípio este que aponta para a responsabilidade
coletiva das pessoas entre si na realização das finalidades do sistema e se
concretiza, num dos seus vetores, pela transferência de recursos entre cidadãos
– cfr. artigo 8º, n.º 1, e n.º 2, alínea a), da Lei n.º 4/2007 (neste
sentido, João Loureiro, ob. e loc. cit.).
83. O argumento não tem idêntica validade quanto aos
complementos de reforma, que funcionem segundo um regime de capitalização. No
entanto, como se assinalou, os regimes complementares estão associados ao
sistema de segurança social na sua integralidade, e estando em causa a incidência
de uma contribuição similar às quotizações dos trabalhadores no ativo, não se
vê em que termos é que esses rendimentos devam encontrar-se cobertos pelo
âmbito de proteção do direito de propriedade, quando ainda estamos no domínio
da parafiscalidade.
Na verdade, a responsabilidade do Estado na tomada de
decisões político-legislativas, no domínio do financiamento dos regimes de
segurança social, resulta da sua qualidade de garante superior
do sistema, com a incumbência de organizar, coordenar e subsidiar um programa
de proteção social dos cidadãos nas situações de falta ou diminuição de meios
de subsistência ou de capacidade de trabalho - artigo 63º, n.º 2, da
Constituição (Ilídio das Neves, Direito da Segurança Social,
citado, pág. 334).
O legislador dispõe de liberdade de conformação para
delimitar a fronteira entre o sistema básico de segurança social público e os
sistemas privados complementares (Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição
Portuguesa Anotada, Tomo I, págs. 646-647), o que também pressupõe,
por efeito do englobamento dos diferentes regimes no sistema único de segurança
social, o enquadramento normativo da obrigação contributiva.
84. Tenha-se, por último, em consideração que a redução
das pensões, mesmo quando influenciadas pela aplicação de taxas contributivas
percentuais muito elevadas – como sucede em relação às pensões abrangidas pelo
n.º 2 do artigo 78º -, não corresponde a uma ablação do direito à pensão,
constituindo antes uma medida conjuntural de caráter transitório, justificada
por situação de emergência económica e financeira, pelo que não pode ainda aqui
atribuir-se a essa contribuição uma natureza confiscatória.
A questão das taxas confiscatórias tem sido matéria
tratada, no domínio tributário, no âmbito do princípio da proporcionalidade ou
proibição de excesso, considerando-se que, implicando o imposto uma restrição
ao direito de propriedade, o tributo não pode assumir uma tal dimensão
quantitativa que absorva «a totalidade ou a maior parte da matéria coletável»,
nem pode ter um efeito de estrangulamento, impedindo «o livre exercício das
atividades humanas» (Diogo Leite de Campos/Mónica Leite de Campos, Direito
Tributário, Coimbra, 1996, pág. 148, e Diogo Leite de Campos, As
três fases de princípios fundamentantes do Direito Tributário, in O
Direito, ano 139º, 2007, pág. 29), ou pondo em causa que «a cada um seja
assegurado um mínimo de meios ou recursos materiais indispensáveis (…) [à]
dignidade [da pessoa humana]» (CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 7.ª
Edição, pág. 162).
A variável quantitativa não é, contudo, contrariamente ao
que possa parecer, única ou determinante. Para aferição do que seja ou não
imposto confiscatório, apela-se a uma ideia de equidade ou «tributação
equitativa»: «saber se um imposto tem efeitos confiscatórios não depende apenas
dos montantes das respetivas taxas. Importa, isso sim, aferir desses efeitos
confiscatórios em relação a determinado contribuinte em concreto. O fator
decisivo não é aquilo que o imposto retira ao contribuinte, mas o que lhe deixa
ficar» (Luís Vasconcelos Abreu, Algumas notas sobre o problema da
confiscatoriedade tributária em sede de imposto sobre o rendimento pessoal», in Fisco,
n.º 31, maio 1991, págs. 26 e segs.).
Transpondo esta doutrina para o caso aqui em análise,
considerando que as taxas adicionais de 15% e 40% são aplicadas só a partir de
rendimentos especialmente elevados e deixam ainda uma margem considerável de
rendimento disponível, e – como se referiu já - revestem caráter transitório e
excecional, não se afigura que se lhes possa atribuir caráter confiscatório.
O Tribunal pronuncia-se, nos termos expostos, pela não
inconstitucionalidade da norma do artigo 78º.
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