Hoje...
Vieram inesperadas horas de
silêncio, que passei aconchegado em mim a ouvir o pensamento murmurar as coisas
caladas que sinto.
Acalmaram-se as mãos, quietas no colo ou num
afago á pequena vida adormecida que contemplo nos meus braços... que de vez em
quando suspirava, feliz.
Pensar. Sentir. Coisas que se confundem de tão parecidas
que se tornam em horas assim, de alimento tomado pelos olhos e pelos ouvidos.
Mas pelos olhos e pelos ouvidos de dentro, e pelos interstícios que
são os poros desse lado - o dentro.
Não há qualquer rigidez nessa
quietude absoluta e lassa, de uma lassidão inversa ao sono ou à preguiça, porque
o corpo é como se não fosse ou não estivesse.
Não há fome, não há
cansaço, não há tempo, não há coisa alguma que permita ao vazio que se anuncie e
instale.
Apenas
a plenitude de ser. Dentro.
Passaram alguns instantes hoje, em que
estive assim, mas na minha vida inteira passaram horas. Na verdade, passaram
noites inteiras, que vivi como instantes eternos.
Na manhã os sons da
vida devolvem-me ao lado de fora, às solicitações, aos deveres.
Levanto-me ao mesmo tempo que a pequena vida acorda, nos meus
braços, surpreendido por dar consigo assim desperto do seu sono... - oposto à
minha vigília, e volto a estar presente.
Sei do sorriso um nada
forçado com que volto a focar-me no visível, a inteirar-me e pergunto a mim
mesmo:
- Estou bem?
- Sim, melhor.
Respiro...
E guardo para mim que não, que não posso temer,
guardo que andei pelos meus lugares amados e que alguns deles me assustam tanto
e se calhar é desses que mais gosto.
Sim, se eu soubesse ser eu, sem me pensar, era tão
mais líquido.
Mas não sei. Sou denso, e encerro em mim mil
caminhos.
Mas
há quem saiba qual o mais belo, para chegar onde quer...
Persisto
nesta forma de ser, sinto perfeitamente a trajectória do meu sangue decidido que
me faz estar sempre presente num silêncio que ás vezes magoa... e inebrio-me
mesmo um pouco, em mim, dormente, mas sabendo para onde
vou.
Suspeito-me hoje, solitário e altaneiro... mas na verdade
dizem-me que sou, como presença humilde, que não vai embora e permanece
sorrindo.
Ás vezes, não permito que o fogo guardado no meu peito
crepite livremente.
Porquê... porquê...?
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