O fim das ilusões...
Por Rui Tavares
Historiador e Eurodeputado
Artigo de Opinião - Edição Público Porto, 13 de Maio 2013
Rui Tavares
O governo leva a sério o seu trabalho de desconstrução
do Estado social. A oposição deveria levar a sério a sua missão de salvaguarda
desse Estado social
Na semana passada, Paulo Portas falou aos portugueses e traçou uma linha
vermelha: o CDS não poderia aceitar uma nova taxa sobre as pensões. O próximo
parágrafo é o que escrevi então:
“Pode ser teatro talentoso, mas não deixa de ser teatro. E esconde duas
coisas. A primeira é que Paulo Portas não é uma personagem nesta peça: é um dos
autores. A segunda é que, por mais que isto pareça uma farsa, é de uma tragédia
que se trata.”
A farsa durou uma semana. Ontem, o Conselho de Ministros finalizou as medidas
a juntar ao fecho da 7.ª avaliação da troika, e a taxa sobre as pensões lá está,
aceite pelo CDS a título “extraordinário”.
É o fim do engano. Há só um governo, uma maioria e um presidente. São
irrelevantes as diferenças entre PSD e CDS, entre Portas e Passos, entre troika
e destroika, entre Cavaco e Gaspar.
Mas espero que seja mais: espero que seja o fim das ilusões. O fim da crença
supersticiosa na queda do governo por dentro, de que é preciso seguir os
trejeitos faciais de Paulo Portas como quem lê o futuro nas folhas de chá, de
que um escândalo qualquer ou uma zanga qualquer entre os partidos da maioria
desbloquearão a situação em que nos encontramos.
Claro, a farsa de Paulo Portas recomeçará em breve. A linha vermelha,
dir-se-á, foi deslocada apenas um pouco mais para a frente, mais ainda lá está.
As picardias entre políticos da maioria e o ministro Vítor Gaspar continuarão a
encher páginas de jornais. É preciso ocupar 69 horas de comentário televisivo
feito semanalmente por 60 políticos. Continuaremos a seguir com frémito tudo
isso. É sempre possível que alguma coisa, algum dia, faça o governo cair.
Quero o fim das ilusões porque essas ilusões de uma queda fácil do governo
têm poupado a oposição à sua grande responsabilidade: trabalhar no duro para
criar uma alternativa. Se o governo cai sozinho, não é preciso quebrar com os
velhos hábitos nem afrontar os preconceitos e encetar conversações difíceis,
regulares, públicas, para ver se é possível um programa comum. Se o governo cai
sozinho, é possível gerir o quotidiano com um olho nas sondagens e outro nas
declarações tonitruantes na televisão. Se o governo cai sozinho é possível dizer
que “estamos prontos” sem acreditar nisso por um momento.
E a verdade é que estamos longe. Não há um plano claro para uma política
contra a austeridade. Não há um programa diferenciado sobre Portugal na União
Europeia. Não há sequer um debate sobre o modelo de desenvolvimento para o país.
E muito menos há uma discussão na diversas oposições sobre quais elementos das
suas propostas são ou não compatíveis.
O governo leva a sério o seu trabalho de desconstrução do Estado social. A
oposição deveria levar a sério a sua missão de salvaguarda desse Estado social.
Mas então, por que jamais admite em público que, para levar a cabo essa missão,
esperar pela queda do governo não basta?
Comentários