Eles não querem ...
15 Apr 2013 Edição Público Porto
Um bom ponto de partida para o país
é a cidade de Caminha. Por ser na foz do rio Minho, na raia galega e no extremo
norte da costa atlântica, pode ser assim considerada em sentido geográfico, mas
os partidos da esquerda local — PS, BE e PCP — devem ter achado que a
peculiaridade poderia ser também política. Vai daí, decidiram fazer a mais rara
das experiências: falar. O que aconteceu é instrutivo para todo o país.
A partir da segunda reunião, o PCP
local foi proibido de participar, “não por discordar localmente do que se
estava a construir, mas por a orientação nacional do partido excluir qualquer
solução deste tipo”, segundo disseram depois os dirigentes locais bloquistas.
Passe o trocadilho, os caminhenses dos outros dois partidos continuaram o
caminho. Encontraram uma plataforma comum, puseram-na à votação dos seus
camaradas locais, e aprovaram-na em ambos os partidos.
Vai daí, escreveram às
direções nacionais, anunciando a boa notícia: havia bases para uma candidatura
em coligação à câmara municipal, que é detida há doze anos pelo PSD. Tudo
certo? Tudo errado. A direção nacional do Bloco rejeitou a possibilidade e,
quando viu contestado o seu pretexto fundado na moção da última convenção,
levou a Mesa Nacional a fazer o mesmo. Os bloquistas de Caminha, que ficaram
desenganados do respeito que os dirigentes nacionais têm pela democracia
interna ou local, responderam que “a realidade local tinha de ser percebida
[pela nacional] e não podia ser deitada abaixo por mero taticismo eleitoral”. E
tinham razão.
Por que é importante
esta história? Todos já ouvimos várias explicações para a impossibilidade de
entendimentos entre a esquerda portuguesa. Tratase, diz-se, de uma herança do
PREC. Um vestígio da Guerra Fria. Uma rivalidade entre reformistas e
revolucionários. Uma consequência das divisões no mundo sindical. Uma
divergência fundada em questões essenciais de política.
E Caminha prova: é
tudo mentira. Os partidos de esquerda em Portugal não se entendem por uma razão
muito simples: eles não querem. E “eles” são as direções nacionais. Não há mais
profundo do que isso. Aliás, nada é mais profundo do que não querer. E eles não
querem. Ponto.
Mais provas? Viajemos
até 1989. Nessa altura ainda havia Muro de Berlim. No entanto, PS e PCP
ganhavam coligados a Câmara de Lisboa. Anos depois, estavam nessa coligação o
PSR, a UDP, o MDP e Os Verdes. Todo o quem que era alguém na esquerda
portuguesa estava lá: Jorge Sampaio, António Costa , João Soares , Carlos
Carvalhas, Miguel Portas
(então no PCP), Francisco Louçã, Luís Fazenda e outros. E a Guerra Fria não estava
mais distante, nem o PREC.
Hoje, diz-se, há uma
grande diferença: o memorando da troika. Não, não há. Nenhum partido à esquerda
concorda hoje com este memorando. Todos defendem a renegociação. Todos defendem
a queda do Governo. Todos, nacionalmente, dizem querer um Governo de esquerda.
Mas NÃO querem. Nem em Caminha. Não lhes dá jeito. Não estão para aí virados. O
patriotismo deles é inferior ao taticismo, e isto tem consequências.
Na tragédia que
estamos a viver, o Governo é o perpetrador. O povo é a vítima. Mas as direções
dos partidos de esquerda são, com toda a demagogia hipócrita, os mirones
passivos do que está a acontecer. Acuso-os de terem renunciado aos ideais
transformadores da esquerda e de terem abandonado este país.
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