O PODER PARALELO QUE ABATEU O PAPA...
O PODER PARALELO QUE ABATEU O PAPA...
É já abundante a informação sobre este tema carregado de
hipocrisia. Esta, verdadeira ou não, está sucinta:
“A face da Igreja, às vezes, é desfigurada. Penso em
particular nos golpes contra a unidade da Igreja, as divisões no corpo
eclesial. Por isso, Jesus denuncia a hipocrisia religiosa, o comportamento que
deseja aparecer, os hábitos que procuram o aplauso e a aprovação…”
A voz é fraca, instrumento de um homem fisicamente pequeno.
Deveria sumir no ambiente imponente, construído para lembrar aos mortais a sua
insignificância diante dos desígnios divinos. Mas do majestoso altar erigido
sobre o local onde está o túmulo do apóstolo Pedro, fundador da Igreja
Católica, ecoa uma mensagem retumbante. E com ela, o mirrado orador recupera
sua grandeza. Dois dias depois de assombrar o mundo com seu pedido de renúncia,
Bento XVI, o pontífice octogenário novamente surpreendia, ao sacramentar, em
plena missa de Quarta-Feira de Cinzas, 13 de fevereiro, na monumental Basílica
de São Pedro, em Roma, a existência de uma guerra de poder nas fileiras do
Vaticano. Seu próprio pontificado seria uma vítima desse bíblico confronto.
Ainda assim, Joseph Ratzinger em nada lembrava o homem
pálido, de olhar pesado e cansado dos últimos dias. Suas palavras decididas
denunciaram o governo paralelo que insistia em se instalar dentro da Santa Sé.
Com a boa condição física que demonstrou durante toda a cerimônia, revelou que
a alegação oficial de falta de vigor físico não foi a razão para abdicar ao
trono de Pedro. Mais do que um gesto de reconhecimento das suas próprias
limitações, a renúncia foi um ato político. Isolado dentro do Vaticano, Bento
XVI optou por sair para derrubar, junto com ele, seus traidores e, assim,
tentar recompor a instituição. Na última celebração como papa na Basílica, ele
mostrou que, às vésperas de despir-se das vestes que o tornam um ser quase
divino, um representante de Deus na Terra, é um humano mais forte e lúcido do
que se supunha – assim como é humana a vingança que seu gesto pode impor
àqueles que o traíram.
Manifestantes pelas vítimas de abusos sexuais cometidos por
sacerdotes,em Los Angeles, neste mês: acusações contra a omissão de Bento XVI
O peso de sua retórica abalou os pilares do poder paralelo
que agia à sua volta e fustigou as dezenas de cardeais presentes à celebração.
“Ficamos sem palavras”, declarou o cardeal Giovanni Lajolo, estupefato logo
após a cerimônia. Mas, certamente, as fortes declarações do sumo pontífice
tiveram um destinatário preferencial: Tarcisio Bertone, secretário de Estado do
Vaticano e segundo homem na hierarquia do atual pontificado. Amigo pessoal de
Ratzinger, foi um dos religiosos que se tornaram mais poderosos quando o
cardeal alemão foi empossado papa, em 2005. Em vez de aliado, o italiano se
converteu em líder do processo de esvaziamento de poder que levou à renúncia de
Bento XVI, uma possibilidade real para o religioso alemão já há alguns anos,
asseguram pessoas próximas a ele, inclusive seu irmão mais velho, Georg.
O pontificado de Ratzinger começou a ruir quando seus
assessores diretos passaram a boicotar suas iniciativas. Como seu projeto de
“limpeza moral interna”, por exemplo. O alemão chegou ao posto máximo da Igreja
Católica com a intenção de promover uma varredura nos casos de abusos sexuais
cometidos por religiosos, que vieram à tona às centenas pelo mundo desde o
pontificado de João Paulo II. Mas suas decisões de punir os envolvidos com
rigidez eram simplesmente ignoradas ou postergadas por anos. Exausto por não
conseguir implementar suas iniciativas, o papa chegou a declarar que “havia
muita sujeira na Igreja”. À frente do grupo de assessores dissidentes estava o
cardeal Bertone. Um dos episódios mais eloquentes do modus operandi de Bertone
foi o afastamento do cardeal Carlo Maria Viganò da Cúria Romana. Viganò tentou
romper a lei do silêncio imposta por uma verdadeira máfia que desviava verbas,
fraudava licitações e tramava complôs contra o pontífice. Em uma carta entregue
ao papa em outubro de 2011, ele denunciava o esquema de corrupção no Vaticano.
Em represália, foi afastado de Roma e nomeado por Bertone como núncio
apostólico nos Estados Unidos. Para evitar o confronto direto, Bento XVI optava
por não questionar seu segundo na hierarquia. Até que perdeu o controle da
situação.
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